O ano está sendo esquisito, triste e truncado, por um lado; por outro, tem surpreendido, em alguns aspectos. Como em tudo, sempre, afinal.
Em março, tivemos de interromper as aulas. A disciplina sobre “Letramentos, identidade e formação do professor” ficou suspensa. Meses depois, voltamos. Mas não do mesmo jeito. Não mais juntos fisicamente, depois do almoço, tendo aqueles papos presenciais em um sala de aula pequena, no terceiro andar do campus I. Tivemos de retomar no Sigaa, nosso AVA de emergência. And the show must go on…
Pedi à turma que retomasse nossos seminários sobre letramentos adjetivados, depois de estudarmos juntos textos de Paulo Freire, Angela Kleiman, Magda Soares e do New London Group. E o jeito era fazer digitalmente. E quem disse que não tem emoção aí?
O grupo responsável pelo letramento literário resolveu fazer uma transmissão ao vivo e deixá-la gravada. Acontece que essas belezuras de pessoas começaram a ser assistidas mesmo e aí a conversa virou uma mesa-redonda muito linda. Que legal, gente! Obrigada por entrarem neste barco, deste jeito afetuoso e dedicado.
O colega de CEFET-MG, prof. José Muniz Jr., gravou várias entrevistas com revisoras e revisores de textos para uma disciplina que ministra. Serão empregadas na formação graduada, mas ficam disponíveis. A minha está aqui, é o sexto vídeo, e foi uma alegria participar deste bate-papo.
Sempre tem textos interessantes para a gente analisar, pensar, ler e escrever sobre. Isso é infinito, ainda bem. A linguagem é nossa ambiência. E isso me encanta muito, desde criança.
Este vídeo sobre a Bertha Benz, por exemplo, me encantou. Chegou às minhas lentes pelo WhatsApp, daí fui procurar em algum canal oficial da Mercedes-Benz. Estava lá. E, sim, é um texto, claramente, de alto nível de multimodalidade, porque trato a multimodalidade (a) como inerente e constitutiva de todo texto (como Gunther Kress insistia em afirmar) e (b) como uma gradação, uma paleta, um continuum.
Além do aspecto textual e discursivo que podemos analisar aí, há também a questão das mulheres, que figura muito neste texto e que muito me interessa também. Vamos curtir!
Eu e Carla Coscarelli produzimos, há alguns anos, um dos volumes dos Cadernos Viva Voz, da Faculdade de Letras da UFMG, com conversas com editores/as. Foi divertido. Não é nada sofisticado, mas tem sido uma publicação importante, há décadas, na FALE. Está disponível na página da instituição, grátis e para baixar.
A segunda semana de setembro será animada e gratificante, com bate-papos sobre o encontro/confronto entre educação e tecnologias, além do tema sempre fascinante dos livros e da leitura. Agradeço os convites.
O papo sobre educação linguística e pedagogia do digital, a convite da PUC SP e da Parábola Editorial, pode ser visto aqui:
A palestra sobre a pedagogia dos multiletramentos na UERN pode ser assistida neste link.
O bate-papo com a @livraria_paginas, conduzido pela Taíza, a convite da editora Leida Reis, pode ser visto aqui:
Hoje, dois textos que produzi recentemente foram publicados. Isso sempre me traz uma alegria muito específica.
O jornal Estado de Minas publicou minha resenha do livro Afetos ferozes, de Vivian Gornick, no caderno Pensar. Escrevi muito tomada pela leitura desse romance de memória. (Este jornal publica textos meus há muitos anos, eventualmente).
No Digestivo Cultural, postei minha crônica do mês, que aborda um assunto curioso e necessário: a morte dos entes queridos.
Há alguns anos, venho pesquisando mulheres editoras no Brasil. E não vou falar de método ou de bibliografia. Vou falar dos meus sentimentos. Vivo sentindo coisas como insuficiência, impotência e vazio. Não chegam a me paralisar, mas são incômodos de uma pesquisadora realmente envolvida com seu tema e seus objetos. Sempre a sensação de que não sei nada, de que sei quase nada, de que encontrei algo importante, mas que não será possível descrever ou refletir sobre; impressão de que falo bobagens sobre o achado; sensação de que sei menos que todos/as e de que há muito sob aquela folhagem, mas que não conseguirei alcançar.
Seria mais cômodo, talvez mais fácil, procurar assuntos e métodos que já estivessem aí, disponíveis. Seria o caso de apenas pegar, recolher, continuar de algum ponto, complementar. Mas não dá mais para voltar atrás quando elegemos um assunto que nos parece tão relevante e tão necessário, embora pouca gente olhe para ele. Meu sentimento de que trato mal e poucamente de um grande tema não me deixa em paz.
Tive experiências recentes que se misturaram ao meu percurso de pesquisa no tema das mulheres editoras. Essas experiências me fizeram sentir mais e pensar bastante, sem me desencorajar. Uma foi a escrita de um ensaio para uma editora digital que admiro muito, a Zazie. Quanto tempo fiquei debruçada sobre uns textos, uns vídeos, uns pensamentos meus que saíam e voltavam, minha própria trajetória de pesquisadora insuficiente. O texto começava, esgarçava-se, partia-se em várias possibilidades, inconcluía-se e eu voltava a ele, depois de respeitar um intervalo de sanidade. Escrevi lentamente, aos pedaços desconexos, e somente depois de assistir à live com a profa. Eurídice Figueiredo, a escrita escorreu mais forte. Entreguei. Havia um prazo, já desrespeitado, e eu me incomodo muito com atrasos. Entreguei sem finalizar, é certo. Todo texto é isso, afinal. Mas não me desculpo por qualquer inconsistência, incoerência ou ausência; há algo que sempre escapa.
A outra experiência está relacionada justamente ao objeto que pesquiso, essas mulheres que editaram e editam no Brasil, tão mal contadas. Bom, para falar da mineira Tânia Diniz, tive de ler, assistir a entrevistas, procurar parca bibliografia e falar com ela mesma, que sempre foi muito atenciosa e simpática comigo. Fiz isso enquanto escrevia um artigo sobre sua luta de décadas pela existência do mural Mulheres Emergentes.
Quando meu artigo ainda estava por sair, Tânia faleceu, vítima de um câncer que a desafiava havia anos, contra o qual ela lutou bravamente, mas que a venceu precocemente. Terrível. No artigo, me despedi dela em nota.
Agora, nesta semana que corre, faleceu a escritora Lina Tâmega Peixoto, mineira radicada em Brasília. Também li sobre ela, nos falamos por e-mail (ah, quando eu soube que ela era viva, que alegria!), vi suas fotos, estudei e escrevi. Produzi um artigo destacando uma experiência relevante de Lina como editora de um periódico literário histórico em Minas Gerais. De novo, antes de o texto sair, a poeta falece. Mais uma vez, redigirei uma nota de agradecimento e despedida.
A história dessas pioneiras ainda está com elas. Muitas estão vivas e seu pioneirismo é flagrante, flagrável em entrevistas pessoais. Isso é efeito de uma questão social, que permitiu a ocupação desses espaços por essas mulheres apenas recentemente, e é elemento caracterizador da minha pesquisa, que me põe diante das pessoas diretamente, e me faz lidar com suas partidas. Sinto, então, além da sensação de que nunca sei o suficiente sobre isso, uma angústia de quem corre contra o tempo, de quem pesquisa sobre bases frágeis, já que quase nada sobre a atuação de editoras dessas mulheres foi narrado ou devidamente documentado.
Que meus textos, breves e lacunares, sirvam ao menos de início para as devidas homenagens e dos reconhecimentos que as editoras pioneiras merecem.
Este ano, escrevi dois textos que me incomodavam fazia tempo. São dois textos provocados por outros dois textos e centenas de seus ecos – às vezes não passam de ecos mesmo, meras repetições; outras vezes são mais que isso, são diálogo, são reflexão. São dois textos que mudaram muita coisa por aí, em especial em nosso contexto educacional e de pesquisa. Dois textos que me provocam pelo que eles provocaram.
Duas revistas toparam publicar estes meus dois textos, mesmo que eles fossem uma mirada meio crítica de dois textos que são amplamente aceitos, eu diria até que são, hoje, o discurso hegemônico em educação e tecnologia. Acho que cumpri minha missão de dizer o que disse, mas, principalmente, consegui aliviar algo que ficava engasgado.
O primeiro deles é minha leitura interessada e detalhada do texto que trouxe para nós, meio enviesadamente, a ideia de “nativo digital”. Noção que sempre me despertou muita desconfiança, à qual jamais aderi, mas que se tornou o esteio de muitas pesquisas e muitos discursos no Brasil. Em muitos casos, foi pior: tornou-se pressuposto, premissa. Veio a pandemia e…
O segundo é uma leitura o mais acurada possível do manifesto da Pedagogia dos Multiletramentos, documento produzido por um grupo de dez pesquisadores/as, depois de uma reunião inicial ocorrida em 1994, e publicado em 1996, em uma revista de uma renomada instituição americana.
Que futuros redesenhamos? está na revista Diálogo das Letras, que me publicou como professora convidada, o que me trouxe muita alegria. Era urgente, para mim, fazer esta leitura do manifesto da Pedagogia dos Multiletramentos (que até no título faz lembrar Paulo Freire…) e acho que talvez seja mesmo o momento de entender em que ideias a BNCC se inspira. Sem este elo… a compreensão fica difícil.
O evento ABRALIN ao Vivo foi encerrado pela profa. Magda Soares, uma das pesquisadoras mais respeitadas do país por seus trabalhos sobre leitura, letramento e alfabetização. Formada em Letras, com pós-graduação em Educação, ela é investigadora da Universidade Federal de Minas Gerais, fundadora do CEALE, com profundas incursões pelas salas de aula de verdade, na educação básica.
Leio seus livros, seus artigos. Não são inúmeros, mas têm alto impacto. Coisa de quem estudou, estudou e estudou e escreveu (e não o contrário). Fui privilegiada, um dia: ela foi membro de minha banca de doutorado, em março de 2008, uma das últimas de que topou participar.
Magda preparou uma palestra para a ABRALIN e ficou cerca de duas horas tratando de alfabetizar e alfaletrar. Mostrou exemplos de crianças reais e expôs seu trabalho de décadas na rede pública de uma cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte, junto a crianças e professoras cujas condições de estudo e trabalho são precárias, como na maior parte do país.
Quero recomendar a conferência da profa. Magda Soares. E quero comentar alguns elementos de sua apresentação, detalhes que a humanizam e aproximam, e que me tocaram muito: sua relação com o computador e com a produção de uma live, certo desajeitamento, mas muito determinada e disposta; sua forma incisiva, mas jamais arrogante de dizer o que sabe; sua insistência em falar da sala de aula, das crianças e professoras reais de camadas desfavorecidas; sua crítica às bases sobre as quais a BNCC foi erigida, em especial para séries mais iniciais, no que concordo com ela; e seu susto quando a mediadora, profa. Eliane, a informa sobre o número de pessoas que assistiram à sua palestra. Eram cinco mil participantes síncronos/as, provavelmente a maior palestra do evento e talvez a maior da vida da pesquisadora. Magda se assusta (ouvimos sua exclamação) com o número e chora, diante da câmera, ao agradecer a todos/as. Hoje, são quase sessenta mil visualizações nesse vídeo. Isso não é só sucesso, é reconhecimento, é uma vida inteira de dedicação, em condições sérias de trabalho e pesquisa.
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