Na graduação e na pós, nesta com mais liberdade do que naquela, a gente lida com pelo menos dois tipos de disciplinas: as obrigatórias e as optativas. Geralmente, visto de dentro, isso quer dizer que oferecemos matérias fixas e previstas na matriz curricular, essas que são de eixo e que definem, juntas, um curso, uma formação; e matérias que podemos “inventar”, propor a cada semestre, a fim de dar vazão a assuntos e questões que uma matriz curricular demora muito a absorver.
É uma mescla interessante entre o passo lento do que precisa ser estabelecido e pensado e o passo ágil dos ventos que sopram, aqui e ali, e que não podemos deixar passar batidos. Ao mesmo tempo que podemos omitir debates presentes, caso não façamos essas propostas atuais, podemos ser acusados de modismos, quando fazemos demais. É um equilíbrio necessário e muito interessante.
Tive algumas oportunidades de participar da criação, composição e implementação de cursos de graduação e pós (lato e stricto sensu). É um trabalho sério, difícil, comprometido, que, em larga medida, exige atenção ao presente, ao passado e ao futuro. Fiz em instituições privadas e públicas, sendo estas bem menos afetadas pelas pressões do capital e da moda. Há coisas que fazemos justamente para deixar, para doar.
Como se configura um curso de Letras, por exemplo? E como configurar um curso de Letras em edição? Eram perguntas que nos fazíamos, e que nos obrigaram a uma tentativa de prática que nem mesmo nós tínhamos. É uma aposta séria, com riscos medidos. E sofreremos sempre críticas e nunca mais deixaremos de ajustar e ajustar e ajustar. Não é assim mesmo?
Meu 2020 não terminará tão cedo, do ponto de vista profissional. 2021 entrará, inexorável, e eu estarei ainda pagando o segundo semestre do ano triste da pandemia. Isso sempre me incomoda em outras situações, e continua me incomodando muito. Sinto como uma espécie de castigo por algo que não foi escolha minha. Mas enfim, desde crianças lidamos com essas coisas.
Em 2021, janeiro, começarei algumas disciplinas do segundo semestre de 2020. Uma delas tem me alegrado muito porque será um consórcio muito afetuoso e disponível entre colegas da Argentina e nós aqui. É uma dessas matérias optativas da pós (mestrado e doutorado) e a compusemos para discutir aspectos de gênero, feminismos e o mundo do livro. O esquema será todo virtual, como já poderia ter sido há muito tempo, mas precisou desta pandemia para ser vislumbrado.
Outra optativa que propus é sobre a multimodalidade e a BNCC, relação que venho estudando há algum tempo, inclusive com algumas publicações que tocam no assunto. É absolutamente urgente debater sobre isso, não? A implementação inteligente e crítica da BNCC (ou não) tem relação forte com uma compreensão sobre ela, e acho que isso passa por entendermos um pouco de onde aquele discurso saiu.
Esse é o tipo de tema fundamental e emergente, que não pode ser previsto numa matriz fixa de cursos e que precisa encontrar espaços e abertura para acontecer, conforme nossas antenas estejam ativas.
Na graduação, por exemplo, farei coisa semelhante, mas a liberdade é menor. A matriz é mais dura, os tempos são escassos e há mais entraves. No entanto, além das ofertas obrigatórias de matérias prefixadas, como Oficina de Textos e Contexto Social e Profissional, emplaquei, com um doutorando muito competente, uma disciplina de Marketing editorial. Não há esse tipo de assunto no curso ou há muito lateralmente. Vamos combinar que, num curso de edição, é importante, não é? E quem poderia ministrar algo assim melhor que um editor real? Bom, eis que. Por isso considero esse equilíbrio tão importante. Lembrando que as aberturas precisam estar, antes, nas cabeças das pessoas. É o mais complicado.
No ensino médio, minha gente, é onde a liberdade não está e onde os espaços para propor não existem ou são exíguos. Só posso lastimar. E nem gosto de falar muito nisso, ainda mais estando de férias. Resumindo: a gente é mais adestradinho/a quanto mais jovem… e depois não sabe direito o que fazer com a liberdade e a criatividade. Sigamos juntos/as.