No último mês, me senti de volta a 2019. E tem sido surpreendente, além de frustrante e impressionante. Mas eu já desconfiava…

Eu até podia entender quando as pessoas falavam da falta que fazia, eventualmente, abraçar estudantes, ter contato físico, olhar nos olhos, ouvir a voz ao vivo, brincar monitorando as reações, mas nunca pude entender outras saudades: a de reuniões, por exemplo. Essa não entrará na minha cabeça. Em especial porque vivi intensamente os dois anos mais recentes, e trabalhando muito.

Eu mesma sempre usei muito papel, em especial na graduação. Levava, quase religiosamente, um texto impresso para a sala, com o objetivo de que a turma lesse junta, comigo, fazendo pausa protocolada. Depois daquela clássica cena da professora entregando papelzinho em carteira por carteira, e do pessoal que chega atrasado pegando depois, a gente começava a ler para discutir. Era proveitoso por algumas razões, mas destaco uma: no turno da noite, geralmente as pessoas não tinham tempo de ler previamente os textos indicados, então era ainda mais frustrante chegar em sala e ver que seria difícil avançar sem leituras. E o detalhe: leciono num curso de Letras. O jeito era compartilhar aquele momento com eles, embora isso fosse contra tudo o que tanto estudamos sobre “sala de aula invertida” e outras metodologias ativas. Se as pessoas não leem e têm seus argumentos para isso, enfim, o que me restava? A estratégia clássica me valeu durante muitos anos e fez com que muita gente tivesse contato com textos breves para debates que davam pano para manga.

Eis que se abate sobre nós todos/as uma pandemia e, de repente, passamos a dar aulas em ambiente virtual. Com isso, até quem jamais havia pensado nessa possibilidade teve de aprender a organizar tudo digitalmente: pdfs, arquivos de todo tipo, textos em repositórios previamente arrumados, etc. Foram 2 anos fazendo isso, não foram 2 meses; foram ali pelos 600 dias de nossas vidas reaprendendo a dar aulas e ajustando tudo para que as leituras acontecessem, as aulas rolassem, os trabalhos fossem feitos e entregues, lidos e avaliados. Pois bem.

A volta ao campus está acontecendo agora, nesta semana (última de março de 2022). Começam a chegar e-mails alvoroçados dos coordenadores e chefes pedindo pelo amor de Deus que as pessoas se controlem no uso da máquina de xerox e do papel. Oi?

Bom, é que o campus está sem a menor condição: não tem cantina, não tem restaurante, não tem estacionamento, tem obra barulhenta logo debaixo da janela. É isso. Acolhedor, não? E a lojinha do xerox também não está mais lá. Tudo era licitado… e isso se perdeu nos dois anos pandêmicos. E não foi recuperado antes do retorno ao presencial… dizem que porque essa é a regra federal geral. Oi??

Tá, então não tem mais loja de xerox nem gráfica da escola. O jeito é operar aquela máquina que fica na sala do departamento para um uso mais excepcional… que agora será ordinário. Bem, mas calma lá, como assim? Textos curtos, ok? E eis que o alvoroço da coordenação continua: pessoal, a máquina não aguenta esse tanto de páginas, de xerox, de impressões!

E dá-lhe memorando e sei lá o que mais pedindo mais toner, mais papel, mais tudo, enquanto o setor de suprimentos e de almoxarifado enlouquece e começa a questionar todo mundo: para quê isso tudo? Vamos cancelar vocês!

A pergunta que não quer calar é: onde você, professor/a, esteve nos últimos dois anos? Como deu aulas quando nem se podia ir ao campus? Como preparou seus materiais e os disponibilizou? As aulas aconteceram? Ou você sequer usou textos, e deu aulas expositivas de turnos inteiros? Não aprendeu nada com isso? É sério? Será que parte do que supostamente foi aprendido não pode se tornar uma prática ordinária?

Bom, já ouvi cada coisa… Ouvi dizerem que todas as reuniões voltarão a ser presenciais, mesmo quando são desnecessárias; ouvi dizer que nada pode nem lembrar o ensino remoto; ouvi dizer que celular está proibido em sala; ouvi dizer, ouvi… Espero não precisar obedecer, não quero entrar nessa máquina do tempo de ré.

Onde é que estávamos nos dois anos mais recentes de nossas vidas profissionais? Eu estava bem engajada nos ambientes virtuais e aprendi a fazer muita coisa por meio deles. Várias delas, espero, vão continuar comigo. Ou será que não vão permitir que eu integre algo que funciona bem nas minhas práticas, de agora em diante? Não é bom duvidar…

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